Considerações Importantes

Chegar até aqui é fácil; há portas de entrada e de saída em todos os lugares. Saber o que catar é outra história. Outsiders são bem-vindos, pois se sentirão em casa - quanto aos outros... Talvez possam achar o que lhes preste.
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pérola da vez

"a única verdade é o amor para além da razão" - Musset

22 novembro, 2009

Como é Difícil

Ser quem és, estar sempre buscando a virtude, estar em lugar de mérito, estar em lugar louvável, estar em lugar elogiável, estar em lugar que é certo, em lugar certo, em lugar certo, em lugar certo, em lugar, em lugar, em lugar, em lugar, lugar, lugar, lugar, lugar, AR!!! Como cansa, não é fácil, quem dirá o contrário. Não, ninguém o dirá... Ninguém nos dirá o que fazer. Somos só nós agora, meu bem, só nós, mais ninguém. Construir quem somos é uma tarefa diária, uma tarefa exaustiva, meu Deus!!! Uma música dizia: "They need for you to be everything that they cannot be themselves", mas isso é uma música barata, não me desgasto a traduzir, mas a mensagem é boa... não tão boa, vai... Mas não importa. O que importa é que não adianta ter sido o primeiro, não adianta ter sido o melhor nem o mais rápido; Tens que sê-lo o tempo todo, sim o tempo todo!!! Pois és outro a cada momento e não podes mudar para pior, não, isso seria terrível para os outros! Ah, os outros.. sempre tão pequenos, sempre tão mesquinhos: nada diferente de nós... Chega, está bom por aqui! Boa sorte

16 outubro, 2009

antropofagia 2

Sinto-me em círculos tentando achar o centro de gravidade, não há onde apoiar, e tudo g-i-r-a num sentido antropofágico, eu mesmo me degluto, me engulho, me desfaço, me mato! Estranho-me, não sou em mim mesmo, e não me acho em nada, nem mesmo nos sentimentos que habitam o fundo da minha alma. O grito ecoa no fundo do poço, mas posso ver que ele não sai de dentro de mim, não há voz, e ela se abafa, me desespero e sinto a explosão começar... é só o começo.

30 agosto, 2009

Movimento

Está sentindo? Está acontecendo de novo... Pare, observe, percebe?

O Mundo Gira! Sente?
Crianças brincando, vozes cantando, bater de asas, piar de bicos. A Terra vive, respira. Galhos balançam, rios bulindo, o sol sorrindo. Frutas que caem, animais caçando. O vento sopra, move uma folha, carrega grãos e pólem. O ciclo se renova, gira e rodopia, gera e regenera. Degenera também...

A mudança acontece à todo tempo, aguce os ouvidos, aperte os olhos e vai ver. Rios secando, montanhas erodindo, flores desabrochando, graminhas rompendo a terra. O circulo é contínuo e cada ponto é ao mesmo tempo dois extremos. tudo é um pouco do que já foi e um pouco mais do que será. Tudo consome à si mesmo. Está entendendo?

Apesar de tudo passar nunca deixa de ser o que é... Percebe? A Terra muda, o universo muda, a vida muda, mas ainda são Terra, Universo e Vida... Esse gradiente de cor, luz e transformação é o mesmo do seu início ao fim. A Mudança faz parte da manutenção do estado inícial de ser mutante. Confuso? Vai entender...

A energia está em transito, o calor move entre corpos. Rostos envelhessem, perecem, mas não findam... Novos organismos surgem e a vida vai organizando-se, achando caminhos. Complicado? Talvez... mas com certeza é um espetáculo! Percebe?

26 agosto, 2009

Para os Megalomaníacos

Tu que quer sempre ser Cézar, não te sintas mal quando, depois de uma guerra diária, chegares em casa com os joelhos doloridos e no banho quente as lágrimas salgarem a espuma. Ou quando não fores mais campeão e a Glória negar-te o lábios doces e túrgidos, não te tornes rancoroso e soturno, perder é natural. Mesmo que não reconheças a ti mesmo querendo colo, saibas que pode-se ser grande ainda que sejas uma criança.

Chegará a hora em que seu corpo e mente, exaustos da dor e da loucura, perderão o vigor e a esperança. Não irá mais querer recomeçar a batalha e manter-se forte, mas - acredite - vai passar. Quando tudo parecer perdido e o mundo desanimar, conherás a beleza de ser pequeno, de poder chorar. Há muito o que aprender e a vida é mais cheia de perigos do podes, com cabeça de menino, imaginar.

Nem sempre poderás ser bravo, mesmo os gigantes chegam a sangrar uma dia, não te preocupes. No momento certo perceberás que é hora de despir a armadura de vidro reluzente e deixar as feridas tomarem ar. O céu parecerá ruir, encolherás-te na cama com medo dos trovões, mas as cicatrizes hão de se fechar e a tempestade irá passar.

O que virá depois é a alvorada de uma nova fase. Os raios de sol devolverão o antigo calor e terás coragem e espírito novos em folha. Serás mais forte e renovado, mas não te surpreendas se novamente o céu se fechar e teus castelos desabarem. Não se ganha sempre, criança, e nem se cresce sem tombar.

15 agosto, 2009

Micro Conto #6: A Tempestade

O cheiro do ar ficou elétrico e nuvens terríveis de tamanhos colossais e cor plumbea dominaram os céus; a visão era magnífica!

07 agosto, 2009

sorte e azar

Para azar dos ingleses e sorte de nós, brasileiros, que temos sempre um jeitinho para tudo.

21 julho, 2009

O Escorpião e o Sapo

Cansado de uma vida de maldades, o escorpião decide recomeçar sua história e ganhar nova reputação em outro lugar da floresta. Depois de muito andar ele encontra um rio, e que lugar melhor para recomeçar senão na margem oposta, onde poucos animais poderiam travessar e divulgar sua má fama? Mas como, se ele próprio não poderia atravessá-la? É então que, como por providência do destino, passou por ali um sapo, ser anfíbio que pode andar com igual facilidade tanto pela terra quanto pela água.
No entanto o sapo não lhe faria a travessia, porque iria ajudá-lo visto que conhecia a reputação do escorpião e sua natureza peçonheta? Provavelmente, pensou o sapo, irá picar-me nas costa enquanto o carrego. Mas o venenoso insistiu que picar-lhe seria impossível, se o fizesse mataria não só ao seu transporte como a si mesmo, pois não poderia escapar das águas sem afogar-se. O sapo convenceu-se; sabia ser o escorpião um ser traiçoeiro, mas nunca ouvira que fosse suicida.
Mas eis que enquanto cruzavam as águas pantanosas, o sapo sentiu o corpo adormecer e entao uma agulha queimar-lhe as costas, ou sentira a picada primeiro e a dormência depois, não saberia dizê-lo. Antes que afundassem completamente teve tempo de dizer com o olhar perplexo: "Por que?" Mas não pôde ouvir o escopião responder-lhe: "Porque é da minha natureza, não pude evitá-lo".

08 julho, 2009

Micro Conto #5: Homens e Fadas

A Fada daria àquela mulher o amor do homem com quem sonhara, mas exigiria em troca o filho que os dois teriam

29 junho, 2009

Antropofagismo

Sou como um vulcão prestes a entrar em erupção. O magma me corrói como um ácido que inutiliza o corpo. Estou me desfazendo aos poucos e posso perceber, torno-me pó. O grito de socorro se propaga no silêncio, o objetivo é que ninguém ouça, o momento é só meu.
Resta-me desejar morrer como a criança que deseja o chocolate. A morte e a vida são um só?

25 abril, 2009

Micro Conto #4: Asco

De tanto nojo de pegar na esponja velha, ela deixava a sujeira dos pratos apodrecer na pia

19 abril, 2009

Uroboros

Em oposição a visão dualista dos orientais, quebro o disco yin-yang e faço uma fusão entre o tigre e o dragão, os eternos combatentes. De seus ataques e ofenças não mais sairão vida ou criação, porque antagonismos nunca houveram entre esses dois princípios antes supostos opostos. O que há é a figura do Uroboros, a serpente marinha que suporta o universo e alimenta-se da própria cauda.
Não dissolvo a existencia do combate, não cometeria tal discrepancia, mas dou à este um novo caráter. O Uroboros trava uma guerra contra si mesmo e de sua autofagia surge sua renovação e seu movimento inesgotável. Deste fantástico lagarto que contem em sua essência bem e mal, diabólico e angelical, e do seu eterno auto consumo brotam todos os impulsos e toda energia que comanda nosso caos terreno.
O que torna esse verme subterrâneo e imundo tão interessante é por ser tudo o que há. E como não resta mais nada existente, seu próprio corpo o serve de nutriente. Sigamos seu exemplo então. Gastemos nossas mentes, usemos nossos quadris, queimemos nossa pele ao sol, estoremos nossos tímpanos, devoremo-nos... Travemos guerras contra nós mesmos. E deixemos as forças combatentes que nos atormentam o íntimo nos destruir e degradar.
Do auto consumo nasceremos novamente todo tempo. Do nosso combate diário para não tornarmos-nos imóveis brotará a luz que fará de cada desejo, cada sentimento e cada momento experiências hedônicas eternas. Deixemos o fogo nos queimar, o frio nos enrigecer e a dor nos calejar. Vamos nos alimentar de nós mesmos e quando nosso corpo se esgotar, nossa matéria servirá de alimento à outra criatura.
Não perdamos tempo... se não nos consumirmos agora o mundo o fará e jamais conheceremos nosso próprio sabor.

16 abril, 2009

O Fogo

Imediantamente após ouvir a porta bater ele desce correndo as escadas e chega excitado à cozinha. Os olhinhos vorazes vasculham todo o cômodo e bem ali, em cima do armário, ele a encontra. Uma das cadeiras da sala de jantar deve bastar para que ele a alcance. Se equilibra daqui, estica um pouco dali e com os calcanhares bem levantados e pezinhos fortes ele a agarra e pula do apoio. Conseguiu apanhar o objeto que deveria estar fora do alcance de crianças, mas ele já não é mais uma, ou pelo menos assim julga. desenrosca a tampinha azul e o líquido volátil logo faz chegar às suas narinas o cheirinho delirante do álcool.
A caixinha de palitos de fósforo, como sempre está em cima do fogão, ele a apanha sem dificuldades. E com esses dois brinquedos, tão simples e mais interessantes do que o video-game que os pais lhe compraram para conter toda energia, ele realiza o mais fascinate dos seus recreios. Encharca grandes bolas de papel com o alcool, se delicia por instantes com o aroma perfumado e faz a cabeça do palito estalar e faiscar na borda da caixa de papelão. O som crocante do fósforo ascendendo-se o deixa ainda mais animado, põe fogo na pira de jornal amassado e fica a observar o fogo consumir as notícias da semana.
Ali, sentado abraçado aos joelhos ele não pensa em nada, apenas aproveita o espetáculo da energia e da transformação. As chamas lambem o papel e o escuressem. Línguas flamejantes devoram esferas irregulares e as transformam em cinza e fumaça. O brilho incadescente de suas estrelas particulares aquece seu rosto e seus pêlos arrepiam-se, ele está em êxtase, hipnotizado pela dança sinuosa das espadas luminosas que travam um guerra sangrenta contra o frágil papel. Sobram brasa e fumaça, mas o recreio ainda não termina, ele agora admira as nuvens místicas que alçam vôo; É pura magia...
Mas de repente ele ouve a porta da garagem ranger seus braços eletrônicos. Em meio à palpitações e respiração ofegante ele elimina todas as evidências e bota tudo no lugar. Corre à sala de TV onde fingi estar à horas jogando. A Mãe chega por trás e ele sente um calafrio quando a sua sombra imponete surge às suas costas. A voz austera da matrona preenche todo o cômodo quando pergunta da empregada, ele diz que já foi, ela pergunta o que fez durante a tarde. "Nada", ele responde, nada. "Joguei..."

15 abril, 2009

Cães Internos

Deus, é insuportável! Não consigo dormir, os cães ladram no porão a noite toda. Não há porta fechada, música ou travesseiro apertado contra a cabeça que abafe o clamor desses caninos por liberdade. É cada vez mais difícil mantê-los presos e ignorar seus latidos raivosos, famintos por ar puro. A agônia deles não me deixa mais descansar, estou exausto. Malditos animais infernais, não os suporto.
No início não era problema, fui os sufocando um a um nas trevas do subsolo, mas o cárcere só fez aumentar-lhes a sede por sangue. Devia ter-lhes dado um fim quando pude, se é que algum dia tive esse poder. Agora é impossível controlá-los, estão mais fortes e ferozes e alucinados por sair. Não há o que os impeça de gritar sua revolta contra mim. Preciso fazer algo ou vou sucumbir aos apelos deles.
Desço as escadas até a porta do porão. Murro a madeira maciça e berro por silêncio, eles redobram os latidos. Não tem jeito, não os imponho respeito mais e estou enlouquecendo, perdendo as forças. Não tenho mais sossego, não durmo há anos! Por quanto tempo ainda aguento? Olho para a porta que leva ao cativeiro desses demônios, ela parece uma boca negra pronta a me devorar. Ali também é prisioneiro meu coração. Que aconteceria se os solta-se? Com tanto tempo presos talvez me consumam em cólera vingativa ou talvez apenas derrubem os portões que protejem minha propriedade familiar.
Que dilema infernal. Libertá-los é irresistível, mas temo, pode ser tarde. A algum tempo talvez fosse possível ter-lhes cativado o afeto, mas é tarde para isso. Tomo alguns remédios para o sono com um copo de água, espero pelo efeito. Adormeço sobre os braços apoiado na mesa, mas o alívio dura pouco, logo os latidos tornam a me acordar. Basta! Não aguento mais. É hora de encará-los, aliviar o nosso desespero, não mais os manterei presos!

11 abril, 2009

A Desventura de Louise

E lá estava novamente a pequena Louise diante das folhas pautadas. A caneta batucando, os dentes mordiscando os lábios e os olhos distantes fitando a brancura, que ela pretende preencher, do receptáculo de seu gênio criativo, o papel. Sobre a mesa alguns livros extraordinários, ela os olha com admiração e, lendo os nomes dos autores nas lombadas de incadernação fina, se pergunta como escrever algo que mereça ser impresso. Através da janela do quarto ela contempla o sol fazer seu longo percurso num oceano de céu azul, a água do lago quebrar a luz como vidro e refleti-la multiplicada em estrelinhas de brilhante. Seria ela digna de retratar um cenário tão esplêndido e perfeito? Lembra das palavras de Byron, "E deveria tua lira, a tanto divina, Degenerar-se em mãos como as minha?", mas lembra também de Picasso e sua teoria de que o artista comum copia e o verdadeiro artista rouba e pensa se é capaz de tomar para si aquela paisagem e transforma-la em descrição. Vê o vento agitar as copas das ávores e dar-lhes vida, as borboletas, que ela tanto adora, rodopiarem aos pares em uma dança nupcial e os pássaros ciscarem um verme na terra e alçar vôo para o céu infinito, e para além também vai a mente de Louise.
Ela se fecha em um devaneio e voa para fora da janela, onde o ar é fresco e a presença quente do sol faz seus pêlos arrepiarem. Há um mundo fora do seu quarto que ela quer muito conhecer, há coisas que precisa ver antes de recomeçar a escrever. Tudo o que Louise tinha que a inspirasse antes ficou velho e empoeirado e, mesmo que sua mente ainda ferva de idéias e transborde verve, ela quer mais, quer melhor, quer o verde vivo da grama traduzido em palavras, quer o escarlate do pôr-do-sol nos seus títulos e o azul majestoso do céu noturno em cada vírgula e ponto final. Ela é cheia de cor e beleza, mas não o concegue explicar por que talvez não tenha explicação essas coisas de sensação. Louise quer, deseja desesperadamente gritar ao mundo o que se passa dentro de si, mas teme diminuir seus sentimentos a palavras vazias, tem medo de que seus textos não estejam a altura de seus anseios, mas acima de tudo teme perder a capacidade de se reinventar e tornar-se previsível e presa às antigas formas de escrever.
Ela volta alucinada de seu sonho sem nexo e corre a ponta da caneta no papel imaculado para registrar seu êxtase. Tenta o mais rápido possível capturar em tinta e letra de fôrma a emoção que está sentindo. Está tão louca por imortalizar seu devaneio que o acaba assustando e ele foge deixando sua mente apenas com palavras sem sentido. Ela o perdeu de novo. Louise despenca sobre a mesa exausta, o corpo suado, a respiração ofegante e o hálito quente. Ela está péssima, sente-se mal por estar tão cheia, quase explodindo, de pensamentos, mas não conceguir transmiti-los.
Acontece que nada satisfaz o espírito inconstante de Louise. Ela é grandiosa demais para se contentar com qualquer coisa que escreva. Louise quer algo maior, algo que se assemelhe à coisa real. Ela deseja verossimilhança. Mas isso é inalcançável, letras em papel não têm o mesmo cheiro, cor ou movimento da natureza, ela sabe disso. Mas não adianta, Louise teima em querer o impossível, não pode evitar, não o quer por escolha. Ela está tão cega proucurando algo surpreendente e novo que se esqueceu de quando escrevia sobre o óbvio. Tudo de que precisa está bem ali diante de seus olhos, ela pode desistir de abraçar o mundo de uma única vez ou pode tentar. O que virá depois só ela irá saber. O que virá?

09 abril, 2009

Eu sou, tu és

Estranho-me os pés e as mãos! Tudo parece tão desproporcional aos olhos que não cessam de ver, entretando há uma distância entre eles e a imagem que veem. A certeza da existência não existe, os olhos não podem comprovar a realidade, pura questão ontológica! Farsa, tudo farsa... A ideia se confunde com a vida em busca de seu eu.

Se é que o eu realmente existe...

18 março, 2009

Micro Conto #3: Pais e Filhos

Mas que susto aquele casal não levaria se seus filhos dissessem aonde realmente estavam indo...

12 março, 2009

Colóquio com Mefisto

"Acabou! palavra tola! Acabou por quê? Acabou e depois nada, a indiferença plena! De que serve o eterno criar, se a criação em nada acabar? 'Acabou!' O que ler desse verbo? É como se não tivesse existido E ainda assim gira em círculos, tivesse ele sido. Pois o eterno vácuo eu teria preferido!" (Mefistófeles em "Fausto", de Johann Wolfgang von Goethe/Tradução de Jostein Gaardein em "O Mundo de Sophia")

Colóquio com Mefisto
É um desses dias frios, quando se para pra pensar, fazer uma limpeza no armário, pesar as decisões e analisar a própria vida e conduta. O humor em harmonia com o clima, cinza, grisalho da cor da melancolia. Em cima da mesa cartas fechadas, jornais velhos e uma garrafa vazia de conhaque. Onde estava mesmo? Ah, sim... Pesar as decisões. Um pouco ébrio, bastante para ser honesto, e com a testa ardente seja pelo fogo da lareira ou da bebida é como decidi começar a rever meus valores. A madeira estala na lareira e exala um perfume suave. O sol, emoldurado na janela, faz sua descida preguiçosa iluminando o céu com uma luz difusa, quase metafísica. Os olhos ardem também, embaçam... de repente tudo é sombra e mancha.
Bem ali à poltrona, tenho certeza, há alguém sentado com a cabeça repousada em uma das mãos. Posso distinguir sua silhueta elegante e imponente a me observar com olhos vorazes e flamejantes.
"Quem é?" pergunto com a voz rouca.
"Sou o diabo Mefisto, seu nome já sei, um prazer". Faço menção de me levantar, mas ele continua: "Não, não é preciso. Dispensemos as cordialidades, sim?"
"Não o esperava aqui."
"Acredite, me esperou a vida inteira." Ele parecia confiante do que dizia.
"Não imaginei que me mandariam um diabo"
"Não lhe mandaram nada, por isso vim. E pode apostar, sou melhor que o anjo Gabriel. Nesse momento sou tudo de que precisava." Era um homem que inspirava franqueza e cordialidade, parecia saber de muitas coisas e era repleto de um ar erudito muito persuasivo, tanto que acreditei que realmente o esperasse.
Não estava muito animado quando respondi: "Claro, claro que é... Mas por que veio? Quero dizer, pode mesmo ajudar?"
"Isso depende." E nesse ponto arqueou ligeiramente uma das sobrancelhas. "Depende do que está disposto a sacrificar. Façamos uma troca, pode entender? Eu não sou bom, ser bom não tem graça. Prefiro ser justo. Sim, justo é melhor, embora mais difícil, mas eu até que me arranjo bem. E você como é?"
Pensara sobre o assunto o por-do-sol inteiro e não chegara a uma conclusão. "Sou bom...". As palavras saíram estranhas da minha boca e fiquei constrangido por elas, tentei explicar: "Sigo o manual, sabe como é. Bom homem, bom cidadão. Não incomodo ninguém e a maioria das pessoas que conheço me quer bem. É assim que sou: bom."
Ele abriu um sorriso largo e seus olhos brilharam, inclinou-se um pouco hesitante e disse bem baixo como que para ninguém ouvir: "Me diga o que eu nunca entendi: vale a pena?" Como não respondi, ele continuou sussurrando. "Não tem vontades, ambições? Sabe que teu Pai não te possibilitou ter tudo, que para ter é preciso, bom, é preciso mais que ser bom. Nunca pensou no que poderia ter se fizesse só o que lhe conviesse. O teu vizinho, por exemplo, que tu cumprimentas toda manhã, mas que te encolera por olhar tua esposa com desejo tão descarado. Quer mesmo ser bom com ele? E se eu lhe dissesse que não Paraíso algum; que não existe nada além desta vida e que terás que viVê-la novamente por toda a eternidade. E então, ainda viveria a privação de ser bom?" Fiz que não entendi e de fato não estava muito para esse tipo de conversa. Fiquei olhando para o fogo que agora era a única luz dentro da sala. O crepúsculo já terminara a alguns minutos.
"Você deve estar pensando", insistiu. "Não se pode fazer tudo o que quer, tem-se que pensar no próximo" imitou a voz do meu pai, o que me assustou um pouco. Em seguida continuou com sua própria voz sólida e grave: "O que tenho de mais valioso para te dizer é que seu pai estava enganado, ou pelo menos o disse por que não me conheceu. Eu posso fazer com que tenhas tudo que desejar. Mas como disse antes, façamos uma troca, de acordo?"
"Que tipo de troca?" O seu discurso começava a me interessar.
"Veja bem: Você tem sido bom. Por quê? Não responda, eu digo. Tem sido bom porque é fraco. Sabe que se for justo será mal visto, que se for mau será punido. Mas e se eu lhe oferecesse a imunidade ao mau julgo e punição. Que acha? Bastante vantajoso, não?"
"Mas e a minha parte do acordo?"
"A claro, a sua parte. Não é nada demais, acredite, uma coisinha. Quero a sua alma. Nenhuma novidade, foi assim com Fausto. Ah, você não leu nada sobre Goethe, não é mesmo? Sei que não. Mas sua incultez agora será compensada, basta apertar aqui..." Ele estendeu a mão musculosa mais sutilmente do que um homem conseguiria e ficou ali, a oferecê-la. Eu olhava aquela garra com linhas tão certas e tentadoras. As unhas manicuradas, palma limpa e dedos de pianista. O que poderia haver de mau naquela mão?
"Ainda não está convencido?" disse e abriu outro sorriso. "Veja bem: A eternidade não é nada, meu caro. Muito tediosa, se quer a minha opinião. Nada muda, tudo no mesmo lugar. Não há pôr-do-sol, nem alvorada ou desabrochar de flor, nascimento ou morte. É uma eterna estagnação. Onde o tempo não passa, nada acontece. E, quando estiver lá, vai ter a oportunidade de descobrir que o que vale a pena mesmo está bem aqui no mundo do perecimento. Só aqui há prazer, dor também, é claro, mas há sensação. O Éden é tão insosso com suas milhares de frutas que não chegam nem aos pés da única proibida. Acredite, só essa tem um néctar que valha a pena. Perto dela as outra são uvas-passa. Pense bem. Quer mesmo abrir mão de usufruir do corpo enquanto ainda o tem para poder gozar de um espírito imaterial? É isso? Ser um anjo? Sem sexo, sem prazer, sem dor, sem beleza, sem nada. Apenas com a eternidade? O que se faz com a eternidade quando não se tem um corpo para usar, sentir e experimentar? Não seja tão pueril. Te ofereço tudo o que podes ter aqui e agora e só peço aquilo que terás amanhã, há sentido em recusar? De qualquer forma, firmando ou não contrato, você perde de um dos lados. Não sou bom, já disse. E você quer ser o que?
Me equilibrei nas pernas vacilantes e o fitei pela primeira vez. Ele sorria loucamente. O coração palpitante, a cabeça ainda girando. Ele se levantou também e pude ver que éramos da mesma altura, falávamos como iguais. Olhos na mesma linha. Franzi o cenho ele relaxou o rosto e sorriu amigavelmente, sabia o que eu estava pensando. "E então, o que me diz?"
"Se conhece mesmo", comecei, "assim tão bem como dizes a natureza humana e as vantagens daqui e de lá, se nosso acordo limitar-se somente ao que se foi falado e ao que eu realmente entendi e estiver ciente de que ele só será válido se estiver mesmo sendo honesto, então saberá a minha resposta."
Ele deu um passo a frente. Sua mão era como uma brasa que comprimia a minha.

23 fevereiro, 2009

Quetzalcoatl

Quetzalcoatl, a estrela da manhã, era a Serpente que navegava com os ventos e representava tudo o que era puro e bom. Ele era a inocência e a benevolência, luz e fulgor. Sua fronte era coberta por um clarão etéreo e por onde ele passava inspirava caridade e amor.
Mas deste algum tempo Quetzalcoatl sentia forças telúricas que nasciam das suas entranhas e às quais ele não compreendia. A Serpente tinha desejos e impulsos que não controlava e isso a pertubava demasiadamente. Sentia vontades violentas e era invadido por pensamentos terríveis. Mas ao mesmo tempo que aquilo o incomodava ele sabia que era maravilhoso. Quetzalcoatl percebia que a vida não fazia sentido, algo faltava...
A fim de resolver o problema ele foi proucurar o feiticeiro Tezcatilipoca que era capaz de compreeder tudo o que se escondia por traz da mente e conhecedor de todos os segredos obscuros. Tezcatilipoca fez surgir diante de Quetzalcoatl a fumaça. A serpente foi invadida por um perfume adocicado que a fez delirar. Os incensos de Tezcatilipoca serpenteavam pelo corpo de Quetzalcoaltl e ele entrou em êxtase, invadido por sonhos ininteligíveis. Aos poucos toda aquela bruma foi tomando forma até virar um espelho e Quetzalcoatl pode contemplar a sua nova face.
Sobre a superfície brilhante da fumaça de Tezcatilipoca, Quetzalcoatl viu surgir um ser com prolongamentos, pernas e braços, e encimado por uma cabeça coroada com cabelos e ornada com olhos e boca humanos. Era aquilo que faltava à essência da Serpente, mas ao alcançá-lo perdera a luminosidade de antes.
Percebendo que sua aurea divina se fora, Quetzalcoatl entrou em pânico. Como seus súditos o reconheceriam agora que tinha forma humana? O que fizera Tezcatilipoca? A Serpente entrou em um estado melancólico que despertou a piedade do seu duplo, sua outra essência: Xolotl, o Coiote.
Xolotl fez para Quetzalcoatl um manto de penas vermelhas, verdes e brancas. Deu-lhe uma máscara turquesa e pintou-lhe a testa de dourado, restaurando sua aparência divina. Mas Quetzalcoatl não se deu por satisfeito, o feitiço de Tezcatilipoca despertara nele novas vontades que ele ainda não podia satisfazer enquanto não se livrasse da sua condição de ser espiritual.
Tezcatilipoca preparou uma poção com uvas fermentadas e ofereceu a Quetzalcoatl para curá-lo de sua moléstia. Imediatamente a Serpente foi invadida por um calor viseral que o trouxe sensações inéditas. Ele sentiu-se eufórico e seu falo humano latejou cheio de lascíva e libido. Quetzalcoatl entregou-se à carne, experimentou o corpo opulento de uma mulher e provou o sexo. Seus movimentos ritmados vaziam seu corpo estremecer de alegria. Quando todas as sensações explodiram, Quetzalcoatl voltou ao seu antigo estado e ficou abismado com tudo o que tinha sentido.
A Serpente entendia que precisava se livrar da sua divindade e conhecer aquilo que Tezcatilipoca lhe mostrara. Ele chamou Xolotl e foi até a praia onde insinerou seu próprio corpo em uma pira funerária. O fogo queimou Quetzalcoatl e das cinzas do seu manto aves raras alçaram vôo e subiram para o céu. A Serpente flutuou até o submundo onde encontrou seu progenitor: Mictlantecuhtli. Quetzalcoatl pediu a seu pai os ossos preciosos que ornavam o palácio subterrâneo, os quais Mictlantecuhtli cedeu.
A Serpente e o Coiote retornaram à Terra onde jorraram o próprio sangue nos ossos. Estes tremeram e extremeceram até que empilharam-se na forma de um homem. E assim Quetzalcoatl criou um mundo material, cheio de prazeres, êxtase e desejos.

16 fevereiro, 2009

Je ne comprends pas

Você acorda um pouco atordoado, a boca seca, talvez esteja de ressaca. Por mais que tente não consegue lembrar o que aconteceu na noite anterior. Tudo está muito confuso e essa luz perfurante que ofusca os seus olhos dificulta o pensar. Que lugar é esse? Olha em volta tudo que vê é um infinito de branco. Um hospital? A cabeça dói, dói muito, é quase insuportável o seu latejar como se aumentasse e dimiuísse de tamanho, você deve estar de ressaca. Sente-se fraco, será que está bem?
Tout est bien...
A voz fantasmagórica ecoa pelo lugar e faz tudo vibrar. Não deve ter escutado direito... que lugar é esse?
Un rêve...
A voz é bem modulada e grave, incrível que não lhe doa os ouvidos, mas, ao contrário, chega a ser agradável. Repleta de branco. Uma voz alva e puríssima. Talvez não seja uma voz, mas um som qualquer. Que lugar é esse?
Infini, tout, ceci est la vie...
Você não entende. A cabeça doendo de novo, droga, o que é isso? O que aconteceu? Tenta se mexer um pouco mas o corpo também dói como depois de um exercício exagerado. Uma dor lática e tensa. A boca ácida...
Douleur... Amertume... La chaleur, O calor!
Você não reparou antes mas tudo está fervendo! Feu, Passion, Désir, Volonté... O quê? Apura os ouvidos mas não entende. Doute, énigme, mystère, nuit... Está suando febrilmente, quer tirar a roupa, mas já está nu. Ceci est la vie! Ceci est la vie! CECI EST LA VIE!!! Os anjos gritam e você atônito apenas responde:
Je ne comprends pas...

11 fevereiro, 2009

Micro Conto #1: O Padrinho

Enquanto as crianças corriam pela festa, homens obscuros vestidos em terno tramavam o assassinato de alguém

06 fevereiro, 2009

Um Lugar na Rua Sin

"Aquela luz que escapava pela porta de lata devia significar alguma coisa"




Claus, um vagabundo de vida sem propósito atravessava alucinado a Rua Sin. Àquela hora cruzava-se apenas com viciados e prostitutas. Ele pensava: Como poderia viver após aquele incidente terrível? - nada mais seria o mesmo. Se ao menos ele houvesse se previnido, se antecipado aos acontecimentos; mas não, o infortúnio o encontrara implacavelmente, como uma fera farejando uma presa ferida. O mal estava feito e o que lhe restara era este gosto de pó na boca.


Mas não era que bem depois do mercado uma luz pálida insinuava-se sobre o calçamento de pedras portuguesas... Era uma noite sem lua, escura e sem reticências. Mas aquele fio de luz delgada escapava com arrojo por uma porta menos que medíocre. Aquela luz que escapava pela porta de lata devia signifcar alguma coisa. Claus, como um inseto noturno, bateu as asas mesmerizado em direção à luz. A porta de lata crescia a cada passo. Era uma porta menos que medíocre, mas dela saía a luz mais cheia de simbologia que poderia existir. Estava aberta.


Dentro uma atendente de cabelos na altura do queixo e olhar insinuante perguntou-lhe o nome. Qual o seu nome?, Claus B. Não, essa noite, somente B. Ele aceitou o batismo com normalidade e não estranhou que a atendente sem braços escrevesse B com a caneta enfiada na boca. Ao lado, dois copinhos com inscrições:

"Beba este"
E:

"Não beba este"

Quado Claus agarrou o primeiro, a garota da entrada aconselhou Este não é o melhor para você, beba aquele que não deveria tomar. Como ele não entedeu, ela explicou Faça o que não deve, você está no Bar do Torto. E ele bebeu o "não beba este", e sentiu-se bem, e o licor quente dissolveu o pó em sua boca, que agora escorria como lava pela garganta. Ele gritou, e suas palavras de revolta caíram pesadas no chão. Não precisaria delas.


O Interior era aconchegante, algumas mesas com forro de feltro vermelho, mesas de sinuca com forro de feltro verde; luzes suaves - ou melhor, smooth - pendiam do teto de lambri escuro. Havia um lugar desocupado ao lado de uma loira. Ele perguntou Posso sentar? Sim, ele podia. Ela começou:

Eu descobri o meu melhor vestido rasgado hoje. Cheguei aqui com um gosto de espinhos na boca, mas agora eles parecem algodão. Cotton Mouth. Você é novo, por isso estou lhe explicando essas coisas. Agora se quiser ficar mais, vai ter que me pagar uma bebida, não lhe disseram que aqui é assim, meu bem?

O garçon trouxe dois Dry Martini. Ela pegou um deles e levantou-se indo em direção à banda que tocava, lá começou a dançar. Claus pegou o seu drink e foi ao encontro dela, mas parou de repente porque sentiu que a lava na sua garganta congelara no estômago. Ela olhou para ele Você é, tímido... e lhe deu um beijo, todo o gelo derreteu em frescor. Você pode vir sempre aqui e esquecer seus problemas quando quiser, haverá sempre um copinho de Não beba este como cortesia, mas pelos outros você terá que pagar e alguns vai ganhar.

A luz era quente e confortável acima deles, aquilo devia significar alguma coisa.

03 fevereiro, 2009

Apresentação

O Bueiro é um lugar de lixo. Isto é um fato. O que o habita definitivamente não frequenta os salões dos grandes mestres consagrados pela maioria. Outsiders, marginais, deslocados: sim esta é a casa de vocês. Os comuns não serão evitados, mas advertidos de que não encontrão nada o que os atraia. Para eles isto será apenas objeto de observação, - eles poderão algum dia apreciar um bueiro, mas nunca farão parte dele. Acontece que os Bueiros são análogos ao Teatro Mágico de Pablo, Harry Haller também teria lido "Entrada só para os raros, só para loucos" em uma de nossas portas. Mas se você, Comum, insiste, não deixe de ler:

#O Pequeno Manual do Visitante
Não tente encontrar paradigmas para o que vir - é perda de tempo. Tão pouco será possível encontrar explicações definitivas; não, isto seria sobretudo arriscado. Nem tudo deve emergir à superfície - devemos reconhecer que isto contribui para surgirem interpretações novas e infindas que se renovam a todo tempo. Também nem sempre a satisfação será garantida, mas é possível encontrar formas interessantes e inesperadas - que podem ou não agradar: Cada um cata o que lhe serve.

#O Propósito de um Bueiro
O Bueiro antes de tudo é uma válvula de escape, nem sempre o que escorrer em sua direção é dejeto, mas é sempre excesso. Tudo o que transborda tem de escorrer para algum lugar. Sim, bueiros são vitais; garantem a ordem no mundo, mantêm em lugar seguro tudo o que arrisca o equilíbrio e a temperança. Tudo o que cai pelo ralo converge para cá e é catalizado e modelado para poder ser apreciado. Façam o proveito que convir.

#Última Considerção
Não cometa nenhum erro: o Bueiro também é lugar de garbo e altivez, embora nem sempre isso esteja claro.