Considerações Importantes

Chegar até aqui é fácil; há portas de entrada e de saída em todos os lugares. Saber o que catar é outra história. Outsiders são bem-vindos, pois se sentirão em casa - quanto aos outros... Talvez possam achar o que lhes preste.
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pérola da vez

"a única verdade é o amor para além da razão" - Musset

11 abril, 2009

A Desventura de Louise

E lá estava novamente a pequena Louise diante das folhas pautadas. A caneta batucando, os dentes mordiscando os lábios e os olhos distantes fitando a brancura, que ela pretende preencher, do receptáculo de seu gênio criativo, o papel. Sobre a mesa alguns livros extraordinários, ela os olha com admiração e, lendo os nomes dos autores nas lombadas de incadernação fina, se pergunta como escrever algo que mereça ser impresso. Através da janela do quarto ela contempla o sol fazer seu longo percurso num oceano de céu azul, a água do lago quebrar a luz como vidro e refleti-la multiplicada em estrelinhas de brilhante. Seria ela digna de retratar um cenário tão esplêndido e perfeito? Lembra das palavras de Byron, "E deveria tua lira, a tanto divina, Degenerar-se em mãos como as minha?", mas lembra também de Picasso e sua teoria de que o artista comum copia e o verdadeiro artista rouba e pensa se é capaz de tomar para si aquela paisagem e transforma-la em descrição. Vê o vento agitar as copas das ávores e dar-lhes vida, as borboletas, que ela tanto adora, rodopiarem aos pares em uma dança nupcial e os pássaros ciscarem um verme na terra e alçar vôo para o céu infinito, e para além também vai a mente de Louise.
Ela se fecha em um devaneio e voa para fora da janela, onde o ar é fresco e a presença quente do sol faz seus pêlos arrepiarem. Há um mundo fora do seu quarto que ela quer muito conhecer, há coisas que precisa ver antes de recomeçar a escrever. Tudo o que Louise tinha que a inspirasse antes ficou velho e empoeirado e, mesmo que sua mente ainda ferva de idéias e transborde verve, ela quer mais, quer melhor, quer o verde vivo da grama traduzido em palavras, quer o escarlate do pôr-do-sol nos seus títulos e o azul majestoso do céu noturno em cada vírgula e ponto final. Ela é cheia de cor e beleza, mas não o concegue explicar por que talvez não tenha explicação essas coisas de sensação. Louise quer, deseja desesperadamente gritar ao mundo o que se passa dentro de si, mas teme diminuir seus sentimentos a palavras vazias, tem medo de que seus textos não estejam a altura de seus anseios, mas acima de tudo teme perder a capacidade de se reinventar e tornar-se previsível e presa às antigas formas de escrever.
Ela volta alucinada de seu sonho sem nexo e corre a ponta da caneta no papel imaculado para registrar seu êxtase. Tenta o mais rápido possível capturar em tinta e letra de fôrma a emoção que está sentindo. Está tão louca por imortalizar seu devaneio que o acaba assustando e ele foge deixando sua mente apenas com palavras sem sentido. Ela o perdeu de novo. Louise despenca sobre a mesa exausta, o corpo suado, a respiração ofegante e o hálito quente. Ela está péssima, sente-se mal por estar tão cheia, quase explodindo, de pensamentos, mas não conceguir transmiti-los.
Acontece que nada satisfaz o espírito inconstante de Louise. Ela é grandiosa demais para se contentar com qualquer coisa que escreva. Louise quer algo maior, algo que se assemelhe à coisa real. Ela deseja verossimilhança. Mas isso é inalcançável, letras em papel não têm o mesmo cheiro, cor ou movimento da natureza, ela sabe disso. Mas não adianta, Louise teima em querer o impossível, não pode evitar, não o quer por escolha. Ela está tão cega proucurando algo surpreendente e novo que se esqueceu de quando escrevia sobre o óbvio. Tudo de que precisa está bem ali diante de seus olhos, ela pode desistir de abraçar o mundo de uma única vez ou pode tentar. O que virá depois só ela irá saber. O que virá?

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