Considerações Importantes

Chegar até aqui é fácil; há portas de entrada e de saída em todos os lugares. Saber o que catar é outra história. Outsiders são bem-vindos, pois se sentirão em casa - quanto aos outros... Talvez possam achar o que lhes preste.
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pérola da vez

"a única verdade é o amor para além da razão" - Musset

23 fevereiro, 2009

Quetzalcoatl

Quetzalcoatl, a estrela da manhã, era a Serpente que navegava com os ventos e representava tudo o que era puro e bom. Ele era a inocência e a benevolência, luz e fulgor. Sua fronte era coberta por um clarão etéreo e por onde ele passava inspirava caridade e amor.
Mas deste algum tempo Quetzalcoatl sentia forças telúricas que nasciam das suas entranhas e às quais ele não compreendia. A Serpente tinha desejos e impulsos que não controlava e isso a pertubava demasiadamente. Sentia vontades violentas e era invadido por pensamentos terríveis. Mas ao mesmo tempo que aquilo o incomodava ele sabia que era maravilhoso. Quetzalcoatl percebia que a vida não fazia sentido, algo faltava...
A fim de resolver o problema ele foi proucurar o feiticeiro Tezcatilipoca que era capaz de compreeder tudo o que se escondia por traz da mente e conhecedor de todos os segredos obscuros. Tezcatilipoca fez surgir diante de Quetzalcoatl a fumaça. A serpente foi invadida por um perfume adocicado que a fez delirar. Os incensos de Tezcatilipoca serpenteavam pelo corpo de Quetzalcoaltl e ele entrou em êxtase, invadido por sonhos ininteligíveis. Aos poucos toda aquela bruma foi tomando forma até virar um espelho e Quetzalcoatl pode contemplar a sua nova face.
Sobre a superfície brilhante da fumaça de Tezcatilipoca, Quetzalcoatl viu surgir um ser com prolongamentos, pernas e braços, e encimado por uma cabeça coroada com cabelos e ornada com olhos e boca humanos. Era aquilo que faltava à essência da Serpente, mas ao alcançá-lo perdera a luminosidade de antes.
Percebendo que sua aurea divina se fora, Quetzalcoatl entrou em pânico. Como seus súditos o reconheceriam agora que tinha forma humana? O que fizera Tezcatilipoca? A Serpente entrou em um estado melancólico que despertou a piedade do seu duplo, sua outra essência: Xolotl, o Coiote.
Xolotl fez para Quetzalcoatl um manto de penas vermelhas, verdes e brancas. Deu-lhe uma máscara turquesa e pintou-lhe a testa de dourado, restaurando sua aparência divina. Mas Quetzalcoatl não se deu por satisfeito, o feitiço de Tezcatilipoca despertara nele novas vontades que ele ainda não podia satisfazer enquanto não se livrasse da sua condição de ser espiritual.
Tezcatilipoca preparou uma poção com uvas fermentadas e ofereceu a Quetzalcoatl para curá-lo de sua moléstia. Imediatamente a Serpente foi invadida por um calor viseral que o trouxe sensações inéditas. Ele sentiu-se eufórico e seu falo humano latejou cheio de lascíva e libido. Quetzalcoatl entregou-se à carne, experimentou o corpo opulento de uma mulher e provou o sexo. Seus movimentos ritmados vaziam seu corpo estremecer de alegria. Quando todas as sensações explodiram, Quetzalcoatl voltou ao seu antigo estado e ficou abismado com tudo o que tinha sentido.
A Serpente entendia que precisava se livrar da sua divindade e conhecer aquilo que Tezcatilipoca lhe mostrara. Ele chamou Xolotl e foi até a praia onde insinerou seu próprio corpo em uma pira funerária. O fogo queimou Quetzalcoatl e das cinzas do seu manto aves raras alçaram vôo e subiram para o céu. A Serpente flutuou até o submundo onde encontrou seu progenitor: Mictlantecuhtli. Quetzalcoatl pediu a seu pai os ossos preciosos que ornavam o palácio subterrâneo, os quais Mictlantecuhtli cedeu.
A Serpente e o Coiote retornaram à Terra onde jorraram o próprio sangue nos ossos. Estes tremeram e extremeceram até que empilharam-se na forma de um homem. E assim Quetzalcoatl criou um mundo material, cheio de prazeres, êxtase e desejos.

16 fevereiro, 2009

Je ne comprends pas

Você acorda um pouco atordoado, a boca seca, talvez esteja de ressaca. Por mais que tente não consegue lembrar o que aconteceu na noite anterior. Tudo está muito confuso e essa luz perfurante que ofusca os seus olhos dificulta o pensar. Que lugar é esse? Olha em volta tudo que vê é um infinito de branco. Um hospital? A cabeça dói, dói muito, é quase insuportável o seu latejar como se aumentasse e dimiuísse de tamanho, você deve estar de ressaca. Sente-se fraco, será que está bem?
Tout est bien...
A voz fantasmagórica ecoa pelo lugar e faz tudo vibrar. Não deve ter escutado direito... que lugar é esse?
Un rêve...
A voz é bem modulada e grave, incrível que não lhe doa os ouvidos, mas, ao contrário, chega a ser agradável. Repleta de branco. Uma voz alva e puríssima. Talvez não seja uma voz, mas um som qualquer. Que lugar é esse?
Infini, tout, ceci est la vie...
Você não entende. A cabeça doendo de novo, droga, o que é isso? O que aconteceu? Tenta se mexer um pouco mas o corpo também dói como depois de um exercício exagerado. Uma dor lática e tensa. A boca ácida...
Douleur... Amertume... La chaleur, O calor!
Você não reparou antes mas tudo está fervendo! Feu, Passion, Désir, Volonté... O quê? Apura os ouvidos mas não entende. Doute, énigme, mystère, nuit... Está suando febrilmente, quer tirar a roupa, mas já está nu. Ceci est la vie! Ceci est la vie! CECI EST LA VIE!!! Os anjos gritam e você atônito apenas responde:
Je ne comprends pas...

11 fevereiro, 2009

Micro Conto #1: O Padrinho

Enquanto as crianças corriam pela festa, homens obscuros vestidos em terno tramavam o assassinato de alguém

06 fevereiro, 2009

Um Lugar na Rua Sin

"Aquela luz que escapava pela porta de lata devia significar alguma coisa"




Claus, um vagabundo de vida sem propósito atravessava alucinado a Rua Sin. Àquela hora cruzava-se apenas com viciados e prostitutas. Ele pensava: Como poderia viver após aquele incidente terrível? - nada mais seria o mesmo. Se ao menos ele houvesse se previnido, se antecipado aos acontecimentos; mas não, o infortúnio o encontrara implacavelmente, como uma fera farejando uma presa ferida. O mal estava feito e o que lhe restara era este gosto de pó na boca.


Mas não era que bem depois do mercado uma luz pálida insinuava-se sobre o calçamento de pedras portuguesas... Era uma noite sem lua, escura e sem reticências. Mas aquele fio de luz delgada escapava com arrojo por uma porta menos que medíocre. Aquela luz que escapava pela porta de lata devia signifcar alguma coisa. Claus, como um inseto noturno, bateu as asas mesmerizado em direção à luz. A porta de lata crescia a cada passo. Era uma porta menos que medíocre, mas dela saía a luz mais cheia de simbologia que poderia existir. Estava aberta.


Dentro uma atendente de cabelos na altura do queixo e olhar insinuante perguntou-lhe o nome. Qual o seu nome?, Claus B. Não, essa noite, somente B. Ele aceitou o batismo com normalidade e não estranhou que a atendente sem braços escrevesse B com a caneta enfiada na boca. Ao lado, dois copinhos com inscrições:

"Beba este"
E:

"Não beba este"

Quado Claus agarrou o primeiro, a garota da entrada aconselhou Este não é o melhor para você, beba aquele que não deveria tomar. Como ele não entedeu, ela explicou Faça o que não deve, você está no Bar do Torto. E ele bebeu o "não beba este", e sentiu-se bem, e o licor quente dissolveu o pó em sua boca, que agora escorria como lava pela garganta. Ele gritou, e suas palavras de revolta caíram pesadas no chão. Não precisaria delas.


O Interior era aconchegante, algumas mesas com forro de feltro vermelho, mesas de sinuca com forro de feltro verde; luzes suaves - ou melhor, smooth - pendiam do teto de lambri escuro. Havia um lugar desocupado ao lado de uma loira. Ele perguntou Posso sentar? Sim, ele podia. Ela começou:

Eu descobri o meu melhor vestido rasgado hoje. Cheguei aqui com um gosto de espinhos na boca, mas agora eles parecem algodão. Cotton Mouth. Você é novo, por isso estou lhe explicando essas coisas. Agora se quiser ficar mais, vai ter que me pagar uma bebida, não lhe disseram que aqui é assim, meu bem?

O garçon trouxe dois Dry Martini. Ela pegou um deles e levantou-se indo em direção à banda que tocava, lá começou a dançar. Claus pegou o seu drink e foi ao encontro dela, mas parou de repente porque sentiu que a lava na sua garganta congelara no estômago. Ela olhou para ele Você é, tímido... e lhe deu um beijo, todo o gelo derreteu em frescor. Você pode vir sempre aqui e esquecer seus problemas quando quiser, haverá sempre um copinho de Não beba este como cortesia, mas pelos outros você terá que pagar e alguns vai ganhar.

A luz era quente e confortável acima deles, aquilo devia significar alguma coisa.

03 fevereiro, 2009

Apresentação

O Bueiro é um lugar de lixo. Isto é um fato. O que o habita definitivamente não frequenta os salões dos grandes mestres consagrados pela maioria. Outsiders, marginais, deslocados: sim esta é a casa de vocês. Os comuns não serão evitados, mas advertidos de que não encontrão nada o que os atraia. Para eles isto será apenas objeto de observação, - eles poderão algum dia apreciar um bueiro, mas nunca farão parte dele. Acontece que os Bueiros são análogos ao Teatro Mágico de Pablo, Harry Haller também teria lido "Entrada só para os raros, só para loucos" em uma de nossas portas. Mas se você, Comum, insiste, não deixe de ler:

#O Pequeno Manual do Visitante
Não tente encontrar paradigmas para o que vir - é perda de tempo. Tão pouco será possível encontrar explicações definitivas; não, isto seria sobretudo arriscado. Nem tudo deve emergir à superfície - devemos reconhecer que isto contribui para surgirem interpretações novas e infindas que se renovam a todo tempo. Também nem sempre a satisfação será garantida, mas é possível encontrar formas interessantes e inesperadas - que podem ou não agradar: Cada um cata o que lhe serve.

#O Propósito de um Bueiro
O Bueiro antes de tudo é uma válvula de escape, nem sempre o que escorrer em sua direção é dejeto, mas é sempre excesso. Tudo o que transborda tem de escorrer para algum lugar. Sim, bueiros são vitais; garantem a ordem no mundo, mantêm em lugar seguro tudo o que arrisca o equilíbrio e a temperança. Tudo o que cai pelo ralo converge para cá e é catalizado e modelado para poder ser apreciado. Façam o proveito que convir.

#Última Considerção
Não cometa nenhum erro: o Bueiro também é lugar de garbo e altivez, embora nem sempre isso esteja claro.