Considerações Importantes

Chegar até aqui é fácil; há portas de entrada e de saída em todos os lugares. Saber o que catar é outra história. Outsiders são bem-vindos, pois se sentirão em casa - quanto aos outros... Talvez possam achar o que lhes preste.
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pérola da vez

"a única verdade é o amor para além da razão" - Musset

25 abril, 2009

Micro Conto #4: Asco

De tanto nojo de pegar na esponja velha, ela deixava a sujeira dos pratos apodrecer na pia

19 abril, 2009

Uroboros

Em oposição a visão dualista dos orientais, quebro o disco yin-yang e faço uma fusão entre o tigre e o dragão, os eternos combatentes. De seus ataques e ofenças não mais sairão vida ou criação, porque antagonismos nunca houveram entre esses dois princípios antes supostos opostos. O que há é a figura do Uroboros, a serpente marinha que suporta o universo e alimenta-se da própria cauda.
Não dissolvo a existencia do combate, não cometeria tal discrepancia, mas dou à este um novo caráter. O Uroboros trava uma guerra contra si mesmo e de sua autofagia surge sua renovação e seu movimento inesgotável. Deste fantástico lagarto que contem em sua essência bem e mal, diabólico e angelical, e do seu eterno auto consumo brotam todos os impulsos e toda energia que comanda nosso caos terreno.
O que torna esse verme subterrâneo e imundo tão interessante é por ser tudo o que há. E como não resta mais nada existente, seu próprio corpo o serve de nutriente. Sigamos seu exemplo então. Gastemos nossas mentes, usemos nossos quadris, queimemos nossa pele ao sol, estoremos nossos tímpanos, devoremo-nos... Travemos guerras contra nós mesmos. E deixemos as forças combatentes que nos atormentam o íntimo nos destruir e degradar.
Do auto consumo nasceremos novamente todo tempo. Do nosso combate diário para não tornarmos-nos imóveis brotará a luz que fará de cada desejo, cada sentimento e cada momento experiências hedônicas eternas. Deixemos o fogo nos queimar, o frio nos enrigecer e a dor nos calejar. Vamos nos alimentar de nós mesmos e quando nosso corpo se esgotar, nossa matéria servirá de alimento à outra criatura.
Não perdamos tempo... se não nos consumirmos agora o mundo o fará e jamais conheceremos nosso próprio sabor.

16 abril, 2009

O Fogo

Imediantamente após ouvir a porta bater ele desce correndo as escadas e chega excitado à cozinha. Os olhinhos vorazes vasculham todo o cômodo e bem ali, em cima do armário, ele a encontra. Uma das cadeiras da sala de jantar deve bastar para que ele a alcance. Se equilibra daqui, estica um pouco dali e com os calcanhares bem levantados e pezinhos fortes ele a agarra e pula do apoio. Conseguiu apanhar o objeto que deveria estar fora do alcance de crianças, mas ele já não é mais uma, ou pelo menos assim julga. desenrosca a tampinha azul e o líquido volátil logo faz chegar às suas narinas o cheirinho delirante do álcool.
A caixinha de palitos de fósforo, como sempre está em cima do fogão, ele a apanha sem dificuldades. E com esses dois brinquedos, tão simples e mais interessantes do que o video-game que os pais lhe compraram para conter toda energia, ele realiza o mais fascinate dos seus recreios. Encharca grandes bolas de papel com o alcool, se delicia por instantes com o aroma perfumado e faz a cabeça do palito estalar e faiscar na borda da caixa de papelão. O som crocante do fósforo ascendendo-se o deixa ainda mais animado, põe fogo na pira de jornal amassado e fica a observar o fogo consumir as notícias da semana.
Ali, sentado abraçado aos joelhos ele não pensa em nada, apenas aproveita o espetáculo da energia e da transformação. As chamas lambem o papel e o escuressem. Línguas flamejantes devoram esferas irregulares e as transformam em cinza e fumaça. O brilho incadescente de suas estrelas particulares aquece seu rosto e seus pêlos arrepiam-se, ele está em êxtase, hipnotizado pela dança sinuosa das espadas luminosas que travam um guerra sangrenta contra o frágil papel. Sobram brasa e fumaça, mas o recreio ainda não termina, ele agora admira as nuvens místicas que alçam vôo; É pura magia...
Mas de repente ele ouve a porta da garagem ranger seus braços eletrônicos. Em meio à palpitações e respiração ofegante ele elimina todas as evidências e bota tudo no lugar. Corre à sala de TV onde fingi estar à horas jogando. A Mãe chega por trás e ele sente um calafrio quando a sua sombra imponete surge às suas costas. A voz austera da matrona preenche todo o cômodo quando pergunta da empregada, ele diz que já foi, ela pergunta o que fez durante a tarde. "Nada", ele responde, nada. "Joguei..."

15 abril, 2009

Cães Internos

Deus, é insuportável! Não consigo dormir, os cães ladram no porão a noite toda. Não há porta fechada, música ou travesseiro apertado contra a cabeça que abafe o clamor desses caninos por liberdade. É cada vez mais difícil mantê-los presos e ignorar seus latidos raivosos, famintos por ar puro. A agônia deles não me deixa mais descansar, estou exausto. Malditos animais infernais, não os suporto.
No início não era problema, fui os sufocando um a um nas trevas do subsolo, mas o cárcere só fez aumentar-lhes a sede por sangue. Devia ter-lhes dado um fim quando pude, se é que algum dia tive esse poder. Agora é impossível controlá-los, estão mais fortes e ferozes e alucinados por sair. Não há o que os impeça de gritar sua revolta contra mim. Preciso fazer algo ou vou sucumbir aos apelos deles.
Desço as escadas até a porta do porão. Murro a madeira maciça e berro por silêncio, eles redobram os latidos. Não tem jeito, não os imponho respeito mais e estou enlouquecendo, perdendo as forças. Não tenho mais sossego, não durmo há anos! Por quanto tempo ainda aguento? Olho para a porta que leva ao cativeiro desses demônios, ela parece uma boca negra pronta a me devorar. Ali também é prisioneiro meu coração. Que aconteceria se os solta-se? Com tanto tempo presos talvez me consumam em cólera vingativa ou talvez apenas derrubem os portões que protejem minha propriedade familiar.
Que dilema infernal. Libertá-los é irresistível, mas temo, pode ser tarde. A algum tempo talvez fosse possível ter-lhes cativado o afeto, mas é tarde para isso. Tomo alguns remédios para o sono com um copo de água, espero pelo efeito. Adormeço sobre os braços apoiado na mesa, mas o alívio dura pouco, logo os latidos tornam a me acordar. Basta! Não aguento mais. É hora de encará-los, aliviar o nosso desespero, não mais os manterei presos!

11 abril, 2009

A Desventura de Louise

E lá estava novamente a pequena Louise diante das folhas pautadas. A caneta batucando, os dentes mordiscando os lábios e os olhos distantes fitando a brancura, que ela pretende preencher, do receptáculo de seu gênio criativo, o papel. Sobre a mesa alguns livros extraordinários, ela os olha com admiração e, lendo os nomes dos autores nas lombadas de incadernação fina, se pergunta como escrever algo que mereça ser impresso. Através da janela do quarto ela contempla o sol fazer seu longo percurso num oceano de céu azul, a água do lago quebrar a luz como vidro e refleti-la multiplicada em estrelinhas de brilhante. Seria ela digna de retratar um cenário tão esplêndido e perfeito? Lembra das palavras de Byron, "E deveria tua lira, a tanto divina, Degenerar-se em mãos como as minha?", mas lembra também de Picasso e sua teoria de que o artista comum copia e o verdadeiro artista rouba e pensa se é capaz de tomar para si aquela paisagem e transforma-la em descrição. Vê o vento agitar as copas das ávores e dar-lhes vida, as borboletas, que ela tanto adora, rodopiarem aos pares em uma dança nupcial e os pássaros ciscarem um verme na terra e alçar vôo para o céu infinito, e para além também vai a mente de Louise.
Ela se fecha em um devaneio e voa para fora da janela, onde o ar é fresco e a presença quente do sol faz seus pêlos arrepiarem. Há um mundo fora do seu quarto que ela quer muito conhecer, há coisas que precisa ver antes de recomeçar a escrever. Tudo o que Louise tinha que a inspirasse antes ficou velho e empoeirado e, mesmo que sua mente ainda ferva de idéias e transborde verve, ela quer mais, quer melhor, quer o verde vivo da grama traduzido em palavras, quer o escarlate do pôr-do-sol nos seus títulos e o azul majestoso do céu noturno em cada vírgula e ponto final. Ela é cheia de cor e beleza, mas não o concegue explicar por que talvez não tenha explicação essas coisas de sensação. Louise quer, deseja desesperadamente gritar ao mundo o que se passa dentro de si, mas teme diminuir seus sentimentos a palavras vazias, tem medo de que seus textos não estejam a altura de seus anseios, mas acima de tudo teme perder a capacidade de se reinventar e tornar-se previsível e presa às antigas formas de escrever.
Ela volta alucinada de seu sonho sem nexo e corre a ponta da caneta no papel imaculado para registrar seu êxtase. Tenta o mais rápido possível capturar em tinta e letra de fôrma a emoção que está sentindo. Está tão louca por imortalizar seu devaneio que o acaba assustando e ele foge deixando sua mente apenas com palavras sem sentido. Ela o perdeu de novo. Louise despenca sobre a mesa exausta, o corpo suado, a respiração ofegante e o hálito quente. Ela está péssima, sente-se mal por estar tão cheia, quase explodindo, de pensamentos, mas não conceguir transmiti-los.
Acontece que nada satisfaz o espírito inconstante de Louise. Ela é grandiosa demais para se contentar com qualquer coisa que escreva. Louise quer algo maior, algo que se assemelhe à coisa real. Ela deseja verossimilhança. Mas isso é inalcançável, letras em papel não têm o mesmo cheiro, cor ou movimento da natureza, ela sabe disso. Mas não adianta, Louise teima em querer o impossível, não pode evitar, não o quer por escolha. Ela está tão cega proucurando algo surpreendente e novo que se esqueceu de quando escrevia sobre o óbvio. Tudo de que precisa está bem ali diante de seus olhos, ela pode desistir de abraçar o mundo de uma única vez ou pode tentar. O que virá depois só ela irá saber. O que virá?

09 abril, 2009

Eu sou, tu és

Estranho-me os pés e as mãos! Tudo parece tão desproporcional aos olhos que não cessam de ver, entretando há uma distância entre eles e a imagem que veem. A certeza da existência não existe, os olhos não podem comprovar a realidade, pura questão ontológica! Farsa, tudo farsa... A ideia se confunde com a vida em busca de seu eu.

Se é que o eu realmente existe...